Back to blog archive

Carta ao meu filho autista adulto

Kerry Fender por Kerry Fender Necessidades adicionais

Kerry Fender

Kerry Fender

Síndrome de Down, a minha família e eu - o relato de uma mãe sobre a vida familiar com um cromossoma extra.

Carta ao meu filho autista adulto

Já passaram quase vinte anos desde que lhe foi diagnosticado o autismo e pouco mais de três desde que lhe foi diagnosticada a PHDA. Olhando para trás, para esses anos, consigo ver tantas formas em que podia e devia ter feito melhor.

Não sei se alguma vez te poderei pedir desculpa pelas minhas falhas.

Lamento não ter reparado mais cedo que é neurodivergente.

Eras o meu primogénito, o bebé por que esperei tanto tempo. Aos meus olhos, eras perfeito. Nunca tinha ouvido falar de autismo, TDAH, dispraxia. Parecias sempre tão contente e feliz, especialmente quando te pus a comer de quatro em quatro horas.

Quando demorou mais do que a maioria a sentar-se, a levantar-se, a andar, decidi que o faria no seu próprio tempo e que me contentaria em esperar até que o fizesse. Mas se ao menos eu tivesse feito perguntas, se tivesse feito barulho, talvez tivesses recebido um diagnóstico para os teus problemas de coordenação em criança, abrindo a porta a algum tipo de ajuda. Mas agora já é adulto, nenhum dos profissionais está interessado em explorar a possibilidade de ter dispraxia e continua a magoar-se regularmente só de se deslocar numa sala.

Quando não demonstravas qualquer interesse em brincar com os teus brinquedos, mas apenas te sentavas e olhavas para eles sem nunca lhes pegar, pensei que não estavas interessado nesses brinquedos em particular. Devo ter gasto centenas e centenas de libras a comprar diferentes tipos de brinquedos para ti nos aniversários e nos Natais, mas nunca brincaste com nenhum deles.

Quando era criança, é claro, não me podia dizer que não percebia o sentido da brincadeira - foram precisos quinze anos ou mais para o conseguir articular. Mas como é que eu, como mãe e como ex-criança, não percebi que a tua falta de brincadeira era uma bandeira vermelha?

E lamento que o único vocabulário que tenho para tudo isto seja a linguagem do défice e do "problema".

É a única língua que me foi dada.

Mas o teu desinteresse por brincadeiras imaginativas não foi realmente um problema a longo prazo, pois não? Pode ter sido uma das coisas que o marcou como diferente da maioria dos seus colegas, mas a sua preferência por mexer em aparelhos em vez de brincar com brinquedos ensinou-lhe muitas competências e, em última análise, provavelmente ajudou a lançar as bases da sua carreira.

Quando estávamos só nós os dois em casa, a fazer as nossas coisas, nunca tivemos problemas, pois não? Eras gentil, encantador e engraçado. Reparavas em coisas que nunca me passaram pela cabeça. Ensinavas-te a ler como se tivesses absorvido o conhecimento por osmose. Eu estava tão encantada contigo aos três anos como no dia em que nasceste. Éramos felizes e a vida era boa. Só quando o infantário e a escola entraram nas nossas vidas é que se começou a falar de "problemas".

Também lamento ter dado ouvidos aos psicólogos, professores e outros profissionais que me diziam que eu tinha de o fazer "encaixar" no mundo e comportar-se como os seus colegas típicos.

Gostava de ter sido capaz de ver o mal disto. Mas o mundo em que cresci era um mundo de conformidade, de respeito pela autoridade e (especialmente como mulher) de garantir que se ocupava o mínimo de espaço possível. Não acredito que tenha demorado tanto tempo a aperceber-me de como isto é uma treta.

Lamento nunca me ter apercebido de que devia antes ouvir os adultos autistas que se defendem a si próprios.

Assim, poderia ter compreendido melhor as formas como a sua experiência do mundo pode ser diferente da minha.

Então, talvez tivesse compreendido melhor como é que se pode debater com algumas das coisas que a maioria das pessoas toma como garantidas.

E talvez não o tenha forçado, inadvertidamente, a situações que devem ter sido quase insuportavelmente desconfortáveis para si.

Mas não era tão fácil encontrar pessoas nessa altura. Nessa altura, eu não conhecia as redes sociais. Não sei se o Twitter ainda existia. O Tiktok não existia de certeza.

Lamento não ter lutado mais para te dar a ajuda de que precisavas.

Disseram-me repetidamente que não havia ajuda para nós - nenhum dos serviços disponíveis na nossa área tinha competência para trabalhar connosco porque tu não tinhas dificuldades de aprendizagem. Por isso, aceitei esta situação e inscrevi-me em todos os cursos gratuitos que podia (os únicos que podíamos pagar) para tentar ajudar-te. Mas, sozinha, não era suficiente. Gostava de ter feito mais alarido, de ter feito mais barulho, de ter gritado dos telhados, até que alguém, algures, me ouvisse.

Peço desculpa por não ter percebido que o autismo não era o único problema.

O facto de nenhum dos seus professores nem a Equipa de Apoio ao Autismo terem reparado também não me serve de consolo. Eu devia ter percebido.

Lamento que, de todas estas formas e de outras, não tenha sido a mãe que precisavas que eu fosse.

Mas não lamento que sejas autista, porque o autismo faz parte da pessoa que és. E eu amo-te exatamente da maneira que és. Estou tão contente contigo agora como estava no dia em que nasceste.

E mesmo nas horas difíceis, isso nunca muda.

Tópicos

Outros artigos de que poderá gostar ...

Não foram encontrados resultados