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Um dia na escola para uma criança autista

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Os bloguistas convidados do Firefly são pais, terapeutas e profissionais que desejam manter o anonimato.

Uma jovem rapariga

O meu nome é Naomi e sou autista. É assim que é o meu dia a dia na escola regular.

Preparação da manhã

Acordo, desço as escadas e tento não pensar demasiado na escola. Pego no meu iPad ou nos meus brinquedos e ponho-os como eu gosto. Sei que tenho de me vestir e comer, mas até as coisas estarem "certas" não posso pensar nelas. Preciso de fazer uma coisa de cada vez, por isso, por favor, deixem-me em paz. Deixem-me fazer as coisas à minha maneira. Estar sempre a fazer-me perguntas é tão stressante como estar a chatear-me com as horas. Quando temos de sair, já estou stressada e ansiosa. Nunca me deixa verificar a minha mala para ter a certeza de que tenho tudo o que preciso, nunca me deixa acabar de arrumar as minhas coisas "assim". Odeio o sabor da pasta de dentes e agora tenho de ir para a escola com este sabor horrível a menta e sinto-me mal.

No parque infantil

Estou a examinar. É tão difícil ver quem eu preciso de ver quando toda a gente está vestida da mesma maneira e em movimento. O barulho, os movimentos imprevisíveis, os sacos no chão... é muito para mim. Só quero encontrar a minha melhor amiga e quanto mais tempo demora a encontrá-la, mais preocupada fico. E se ela estiver doente? E se ela tiver um compromisso hoje?

O sino

As campainhas deixam-me em pânico. Significam que tenho de ir rapidamente para algum lado e, por vezes, fico stressado. As campainhas significam pressão e crianças a correr e podem empurrar-me. Fico na minha fila e virada para a frente, certificando-me de que não olho para ninguém. Os professores gritam para não falar e para me manter direita, mas eu já estou a fazer isso e não sei o que devo fazer de diferente. Viro-me para ver se todos os outros estão a fazer o mesmo que eu e agora a minha turma está a ser parada por eu estar virada para o lado errado! Sinto-me culpada. Sinto-me tão ansiosa. Sinto-me diferente.

Ir para a aula

Tenho de me lembrar de colocar o meu saco num sítio, a minha marmita noutro e depois pendurar o meu casaco na pregadeira certa. Pode ser confuso lembrar-me de tudo isto enquanto os outros estão a falar e a mexer-se à minha volta e as luzes estão muito fortes lá dentro. Por vezes, espero até que a maioria dos outros esteja na sala de aula, mas depois tenho medo que me gritem por demorar demasiado tempo! Por vezes, esqueço-me que tenho a minha mochila porque está às costas e não a consigo ver! Como é que toda a gente consegue fazer isto tão rápida e facilmente e eu não?

Classe

Eu oiço muito. De facto, ouço tanto tudo que às vezes não consigo fazer o meu trabalho porque tenho de parar e ouvir tudo o que a professora diz, para o caso de ela estar a falar comigo. Quero escrever com cuidado porque não quero uma linha, mas depois dizem-me que tenho de trabalhar mais depressa e eu não consigo trabalhar depressa e com cuidado. É difícil concentrar-me com os outros tão perto de mim. Eles mexem-se, falam e viram as páginas e isso, por vezes, distrai-me muito. As paredes têm tantas coisas, que consigo ouvir a torneira a pingar e as pessoas a andar de um lado para o outro.

Tenho medo de falar, para não me meterem em sarilhos. A minha voz ainda não conhece os professores suficientemente bem para sair.

Por vezes, não consigo fazer o trabalho. Ontem queriam que fizéssemos um poema de sentidos sobre fogo de artifício. Disseram-me para imaginar estar numa fogueira com fogo de artifício, mas como é que se pode fazer isso se nunca se esteve numa fogueira? Eu não estive. Disseram-me para escrever sobre aquilo em que tocaria, mas não é permitido tocar no fogo de artifício, por isso não posso escrever nada. Disseram-me para escrever o que me cheirava, mas neste momento só me cheira a jantares escolares nojentos e nem isso consigo escrever. Deixo essa também.

Depois, a professora dá-me uma reprimenda por não ter feito a tarefa. Apetece-me chorar. As lágrimas não saem.

Hora de brincar

Não percebo esta parte. Brinca-se com brinquedos, porquê chamar-lhe hora de brincar quando não há brinquedos? Chama-lhe "hora da conversa" ou "hora de estar no recreio". Eu levo os meus próprios brinquedos para fora. Depois chove e temos de ir para dentro de casa e não posso brincar com os meus brinquedos e isso é muito confuso para mim. Não gosto de mudar as coisas. Tenho frio na hora do recreio porque é difícil apertar o casaco e, se demoro, as pessoas dizem-me para me despachar e ir lá para fora, por isso não consigo apertá-lo agora. Tenho um sítio onde gosto de estar e brincar com o meu único amigo. Jogamos o mesmo jogo todos os dias. Gostamos de o fazer assim. Quero brincar com os outros, mas não posso porque não percebo o que estão a fazer. Eles não têm brinquedos. Não consigo perceber os jogos inventados.

Hora do almoço

A hora do almoço é horrível. Temos pouco tempo para todos os alunos da escola comerem e querem que façamos fila e nos revezemos e nos sentemos em mesas enormes com outras crianças que não conheço. Eu só quero sentar-me e ter tempo para comer e não ter de ouvir conversas e cheirar o que os outros têm e que eu não gosto. É demasiado barulhento e movimentado e, no entanto, ninguém abre o meu iogurte ou descasca a minha banana. Sinto-me perdida e confusa e só quero sair dali.

P.E

Odeio tanto a educação física. Nunca sei o que vamos fazer. Às vezes fazemos bolas, outras vezes corremos e outras vezes fazemos desporto. Detesto tudo. Sei que não sou capaz de o fazer e as pessoas riem-se. Como é que posso apanhar uma bola quando há tanta coisa a acontecer na mesma sala ao mesmo tempo? Não consigo concentrar-me. Tenho muito frio. As minhas pernas não gostam de não ter calças vestidas. Os meus braços têm muitas saudades do meu casaco de malha. Uma vez caí e magoei-me em Educação Física, por isso agora não corro porque correr é perigoso e, além disso, disseram-me na assembleia para não correr na escola, por isso não corro. Depois dizem-me para correr e eu quero perguntar 'mas vocês disseram para não correr na escola' mas a minha voz não funciona. Quero chorar. As lágrimas não vêm.

Montagem

Gosto da assembleia. Gosto da canção de boas-vindas porque fazemo-lo todas as semanas. Gosto que toda a gente esteja sentada e não me sinto diferente. Ouço muito tudo, mesmo que esteja a brincar com os velcros dos meus sapatos. Não olho para o diretor da escola porque olhar para caras é assustador. Gosto da rotina da assembleia e sei que é sexta-feira e depois tenho folga na escola.

Eu gosto da escola. Gosto de aprender e gosto de fazer trabalhos. Gosto de ter uma secretária e quero muito ser a estrela da semana. Gosto das outras crianças, mas não sei se elas gostam de mim. Tenho de ir porque é a rotina e a rotina é boa.

Depois chego a casa. Quero falar-vos de coisas que me incomodaram, como dizerem-me para trabalhar mais depressa ou para não comer. Estou cansada de tudo e agora sinto-me segura. Quero chorar. Desta vez as lágrimas virão, por isso, por favor, deixa-as vir.

Eu estou bem. Só preciso de deixar o dia na escola passar para poder descansar.

A escola pode ser difícil, mas todos os dias podem ser difíceis quando se tem autismo como eu.

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